(continuação do post anterior)
Uma homenagem a todos aqueles que em certo momento o homem encontrou pelas ruas ou estradas, e, perdido, perguntou pelas direções. Gente de uma era sem GPS. Ou, ainda, membros anônimos da rede internacional solidária de dados, disposta a informar a estranhos o caminho a seguir, em busca do destino desejado. Encosta o automóvel e baixa o vidro:
– Por favor, onde fica a rua Anatólio Maracoálias?
– Tem certeza de que é rua? Não Avenida?
– É rua mesmo, me disseram que é rua.
– Tem referência?
– Perto do hospital São Roque.
– Ah, uma rua escondidinha. Segue toda a vida, depois dobra a terceira à direita, quando vir uma placa da Saul Móveis.
O homem dizia obrigado e, então, dava uma sequencia de três buzinadas. Sempre quis agradecer mais formalmente a essas pessoas, embora o que faltasse mesmo era oportunidade. Não faltava mais. Alguns trouxeram presentes. Bússolas, guias quatro-rodas, aparelhos de GPS, caixas de bombom, cera para lustrar a lataria do carro, caixas de sapato. Não era nada combinado, porém, a maioria dos itens se tratava de algo ligado a caminho ou meio de transporte.
O anfitrião reconheceu todos os que compareceram. Quem ele não reconheceu, fingiu bem ter visto aquela fisionomia em qualquer canto da memória.
Estava ali o jornaleiro que indicou certa vez onde ficava a Avenida Rio Branco, quando o dono da casa ainda não se virava bem no centro da cidade. A funcionária da companhia aérea que lhe deu as coordenadas para o portão do voo Rio de Janeiro-Recife. Ele estava atrasado, quase despacha as malas sem alcançar a área de embarque a tempo. O taxista portenho que recomendou um bom e barato restaurante de Buenos Aires. Naquela tarde, comemorara um gol do River Plate em plena visita ao estádio do Boca Juniors. Por pouco fica sem dentes para o jantar.
A esposa estava contente com a alegria do marido. Por cada roda de conversa que passava, todos diziam “Um homem de qualidades. Se há uma a destacar, é a gratidão”. A mulher agradecia, querendo demonstrar ser tão grata quanto. Provar que o modelo vinha de família. Oferecia mais um bolo, mais um salgado, mais uma caloria. Um refrigerante diet.
O banheiro masculino você precisa descer três lances, fica ao lado do filtro de água. A sala do capitão é a segunda à direita. Anda mais três blocos e você chega ao shopping. O escritório é perto da padaria. Olha, daqui até lá deve dar uns quinze minutinhos. Os convidados relembravam o modo como conheceram o homem. Você vai ter que entrar na próxima à direita. Anda mais cinco quadras e vai ver um prédio verde. Faz a volta porque a rua não dá mão, entra na segunda à esquerda. É quase em frente ao canal. Eram histórias e mais histórias da cartografia amadora na ponta da língua.
O dono da casa se divertia. Combinou de enviar o currículo para um advogado que lhe informara onde pegava a senha de atendimento, na fila do banco. Prometeu adicionar um militar aposentado no Orkut e doar duzentos reais para a obra de caridade de um pastor. O último a chegar à festa, um farmacêutico. Foi também o que disse a última frase:
– E aí, afinal, encontrou o cabaré no mês passado?
A esposa do anfitrião estava próxima. A pergunta alcançou os ouvidos dela como um tiro à queima-roupa. Ouviu-se um grito agudo e alto. O casal correu para o quarto com a mulher aos berros. Ela ignorou os apelos do marido, aprontou as malas, perguntou a alguém por onde pegava um caminho sem volta e jurou que não retornava mais ao lar. O homem tentou demovê-la da ideia até o fim, tentando se explicar. Alguns convidados procuraram ajudá-lo. O papel com o discurso caiu.
– Seu ingrato! Ingrato! – a esposa retrucou, antes de partir.
Ela era tudo para o marido. Ele, estatelado no chão, a chorar, estava perdido na vida.
Memorial Vivo
Dizem que o povo brasileiro não tem memória. Se não tem mesmo, agora a internet vai dar uma ajuda ainda maior para quem deseja lembrar as pessoas que já se foram. No site Memorial Vivo, o internauta pode criar o perfil de gente que deixou saudades, adicionando fotos, filmes, trilhas sonoras e comentários. Há espaço também para ídolos do esporte, da música, da política, entre outras áreas.
“O Memorial Vivo é o lugar certo para reunir grandes recordações; histórias de pessoas especiais que, apesar de distantes agora, preencheram a vida de muitos com seu jeito especial de ser. A página fala de vida, sucesso, vitórias, caminhos e felicidade”, destaca a assessoria de imprensa do site.
Mais do que um passatempo virtual, o aumento do número de perfis cadastrados pode transformar o Memorial Vivo em um grande acervo de informações a respeito de figuras ilustres e anônimas que não estão mais entre nós. O endereço é http://www.memorialvivo.com.br/.
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A foto do post anterior foi tirada pela leitora Débora Grinspun, em uma ilha nas proximidades da Ilha do Cardoso, litoral sul de São Paulo. A janela compõe resquícios de uma casa, cuja maior parte da estrutura, em dezembro de 2007, já estava tomada pelo mar. Hoje, é quase certo que a janela do post anterior seja apenas uma fotografia na parede cibernética deste blog.
Uma homenagem a todos aqueles que em certo momento o homem encontrou pelas ruas ou estradas, e, perdido, perguntou pelas direções. Gente de uma era sem GPS. Ou, ainda, membros anônimos da rede internacional solidária de dados, disposta a informar a estranhos o caminho a seguir, em busca do destino desejado. Encosta o automóvel e baixa o vidro:
– Por favor, onde fica a rua Anatólio Maracoálias?
– Tem certeza de que é rua? Não Avenida?
– É rua mesmo, me disseram que é rua.
– Tem referência?
– Perto do hospital São Roque.
– Ah, uma rua escondidinha. Segue toda a vida, depois dobra a terceira à direita, quando vir uma placa da Saul Móveis.
O homem dizia obrigado e, então, dava uma sequencia de três buzinadas. Sempre quis agradecer mais formalmente a essas pessoas, embora o que faltasse mesmo era oportunidade. Não faltava mais. Alguns trouxeram presentes. Bússolas, guias quatro-rodas, aparelhos de GPS, caixas de bombom, cera para lustrar a lataria do carro, caixas de sapato. Não era nada combinado, porém, a maioria dos itens se tratava de algo ligado a caminho ou meio de transporte.
O anfitrião reconheceu todos os que compareceram. Quem ele não reconheceu, fingiu bem ter visto aquela fisionomia em qualquer canto da memória.
Estava ali o jornaleiro que indicou certa vez onde ficava a Avenida Rio Branco, quando o dono da casa ainda não se virava bem no centro da cidade. A funcionária da companhia aérea que lhe deu as coordenadas para o portão do voo Rio de Janeiro-Recife. Ele estava atrasado, quase despacha as malas sem alcançar a área de embarque a tempo. O taxista portenho que recomendou um bom e barato restaurante de Buenos Aires. Naquela tarde, comemorara um gol do River Plate em plena visita ao estádio do Boca Juniors. Por pouco fica sem dentes para o jantar.
A esposa estava contente com a alegria do marido. Por cada roda de conversa que passava, todos diziam “Um homem de qualidades. Se há uma a destacar, é a gratidão”. A mulher agradecia, querendo demonstrar ser tão grata quanto. Provar que o modelo vinha de família. Oferecia mais um bolo, mais um salgado, mais uma caloria. Um refrigerante diet.
O banheiro masculino você precisa descer três lances, fica ao lado do filtro de água. A sala do capitão é a segunda à direita. Anda mais três blocos e você chega ao shopping. O escritório é perto da padaria. Olha, daqui até lá deve dar uns quinze minutinhos. Os convidados relembravam o modo como conheceram o homem. Você vai ter que entrar na próxima à direita. Anda mais cinco quadras e vai ver um prédio verde. Faz a volta porque a rua não dá mão, entra na segunda à esquerda. É quase em frente ao canal. Eram histórias e mais histórias da cartografia amadora na ponta da língua.
O dono da casa se divertia. Combinou de enviar o currículo para um advogado que lhe informara onde pegava a senha de atendimento, na fila do banco. Prometeu adicionar um militar aposentado no Orkut e doar duzentos reais para a obra de caridade de um pastor. O último a chegar à festa, um farmacêutico. Foi também o que disse a última frase:
– E aí, afinal, encontrou o cabaré no mês passado?
A esposa do anfitrião estava próxima. A pergunta alcançou os ouvidos dela como um tiro à queima-roupa. Ouviu-se um grito agudo e alto. O casal correu para o quarto com a mulher aos berros. Ela ignorou os apelos do marido, aprontou as malas, perguntou a alguém por onde pegava um caminho sem volta e jurou que não retornava mais ao lar. O homem tentou demovê-la da ideia até o fim, tentando se explicar. Alguns convidados procuraram ajudá-lo. O papel com o discurso caiu.
– Seu ingrato! Ingrato! – a esposa retrucou, antes de partir.
Ela era tudo para o marido. Ele, estatelado no chão, a chorar, estava perdido na vida.
Memorial Vivo
Dizem que o povo brasileiro não tem memória. Se não tem mesmo, agora a internet vai dar uma ajuda ainda maior para quem deseja lembrar as pessoas que já se foram. No site Memorial Vivo, o internauta pode criar o perfil de gente que deixou saudades, adicionando fotos, filmes, trilhas sonoras e comentários. Há espaço também para ídolos do esporte, da música, da política, entre outras áreas.
“O Memorial Vivo é o lugar certo para reunir grandes recordações; histórias de pessoas especiais que, apesar de distantes agora, preencheram a vida de muitos com seu jeito especial de ser. A página fala de vida, sucesso, vitórias, caminhos e felicidade”, destaca a assessoria de imprensa do site.
Mais do que um passatempo virtual, o aumento do número de perfis cadastrados pode transformar o Memorial Vivo em um grande acervo de informações a respeito de figuras ilustres e anônimas que não estão mais entre nós. O endereço é http://www.memorialvivo.com.br/.
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A foto do post anterior foi tirada pela leitora Débora Grinspun, em uma ilha nas proximidades da Ilha do Cardoso, litoral sul de São Paulo. A janela compõe resquícios de uma casa, cuja maior parte da estrutura, em dezembro de 2007, já estava tomada pelo mar. Hoje, é quase certo que a janela do post anterior seja apenas uma fotografia na parede cibernética deste blog.
2 comentários:
muito bom, porque diferente dos peixes a gente precisa contar os trajetos da história (ou seria estória?)
Eu amo este site. Acho que é muito inspirador. um amigo me recomendou, enquanto nós estávamos comprando condicionador de supermercados. Parabéns para a página. beijos
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